Vivi décadas sob o viés do sistema. Como quase todo ser humano contemporâneo ocidental. Esse esquema que a gente conhece bem: nasce, cresce e consome até morrer. Das necessidades básicas às necessidades que nos incutiram na cabeça que eram básicas pra existirmos enquanto CPF. O status social se baseia no TER. Ok se vivêssemos em colaboratividade, consumindo o básico pra ser feliz. Mas pra ser feliz dentro do sistema não basta o básico. A sociedade de consumo estabeleceu seus pilares no consumo desenfreado, que aplaca desejos mas segrega a maioria, além de destruir o planeta. Corremos o sério risco de não termos casa num futuro breve. Como assim? Sim, o planeta é a nossa casa e se a gente não cuidar, a casa cai. E a gente vai junto. Mas o sistema insiste que a gente não faz parte da natureza, infla o ego até a gente achar que não precisa do outro tampouco do meio ambiente pra sobreviver. Ledo engano. Está tudo interligado. Sem natureza, sem água potável, sem ecossistemas equilibrados, o ser humano não consegue sobreviver. Agora me responde: como viver bem num país como o Brasil? Ah, eu vivo super bem postando minhas viagens no insta (nada contra mas vamos ter consciência do que tá rolando), mostrando que venci na vida porque tenho uma bela casa, um carro ótimo, me visto super bem e me alimento em restaurantes bacanas, altas baladas, enquanto ali do lado tem uma família de mendigos embaixo do viaduto pedindo 1 litro de leite pros filhos. As pessoas morrem de fome no Brasil. Não tem saneamento básico. Vivem em condições desumanas e indignas. Mas esses seres humanos estão a margem do sistema, então a gente finge que não vê. É mais cômodo não enxergar do que pensar o que fizemos com a nossa jornada pelo planeta. Em vez de colaborativos, nos tornamos rivais. E nessa onda desenfreada cá estamos, com pandemia, com um buraco enorme na camada de ozônio, com uma distribuição de renda patética em que os mais ricos do mundo poderiam salvar o mundo da fome. Mas não o fazem. O privilegiado dificilmente sai do alto do seu reinado pra olhar pra baixo. Só olha pra baixo quando o filho é sequestrado, roubado, esfaqueado, por comida, por tênis, porque aí quer matar o fdp que fez isso. Esquece que esse cara vive abaixo da linha da pobreza, que esse cara não tem nada a perder. E aí o privilegiado entende que existe um mundo fora da bolha. Mas em vez de entender o seu papel fundamental na construção dessa desigualdade, ele prefere xingar o desgraçado que roubou o filho porque precisava comer ou alimentar o filho dele. Ou de repente porque queria um tênis Nike, afinal, todo mundo tem. E ele não tem condições e nem o alcance do porquê ele necessita de um tênis de marca. Nós sabemos porque. Foi a publicidade, a marketeira da sociedade de consumo que fez isso; com o pobre e com o rico, porque assim caminha a humanidade. Hoje em dia necessitamos mais de coisas do que de pessoas. O ter ficou muito mais importante que o ser. A gente ensina isso pra crianças desde que elas se entendem por gente. Tá quase registrado no DNA contemporâneo. E quem pensa diferente ou de uma forma menos egoísta, é hippie, maluco, comunista, portanto, segregado também. O ideal natural de comunhão, de coletivo, de humanidade, o que deveria ser o normal, passou a ser aberração. Eu virei aberração por ser uma privilegiada que não consegue mais fazer vista grossa pro que acontece, sobretudo no meu país. Ahhhh mas então, não tem jeito né?! Tá difícil mesmo, é quase impossível mudar o que o mundo virou. Mesmo. Vejo alguns bons exemplos, como os países nórdicos com seu capitalismo social, que funciona bem. Não há uma discrepância absurda entre a vida dos pobres e ricos suecos, por exemplo. E existem políticas para jamais existir um abismo econômico entre eles. Quero dizer que eles têm dignidade. Ninguém morre de fome nem no meio dos seus próprios dejetos. Existem políticas ambientais, porque não se pode pensar em viver bem no planeta sem pensar formas de preservar o planeta. E lá eles vivem muito melhor que a gente. Em todos os sentidos. Mas ok, a história desse povo é outra e eles realmente não precisam correr atrás do prejuízo como a gente. Nossa história brasileira de colonização exploratória, escravidão, genocídio e epistemicídio indígena, do povo preto, corrupção sistêmica e endêmica, jeitinho brasileiro…o buraco é muito mais embaixo e a gente tá aqui fudido agora por conta dessa dívida histórica e de toda essa piração de que o negócio é dominar, oprimir, conquistar em detrimento do sofrimento ou desaparecimento alheio. Que porra é essa? Deus não disse que éramos todos sua imagem e semelhança? Ama o próximo como a ti mesmo. Cadê? Falácia braba. Fica mais fácil amar o cara com bens e status. Afinal, é isso que vale na nossa sociedade. Portanto, nos dissociamos uns dos outros achando que somos especiais e diferentes. Puro ego. Você morre, apodrece igual aos outros. Mal aê. Mas a gente tem nojinho do mendigo, na real a gente nem enxerga ele. Não quero enxergar isso, para! Vou postar uma foto musiane do Instagram pra nao lembrar mais disso!! E assim seguimos. Acham que vamos durar mais quanto tempo assim? Mas voltemos a questão do meio ambiente que pra mim é a origem de tudo. Afinal, sem essa morada ninguém existe por aqui. Raciocínio simples. Se desequilibrar o nosso lindo ecossistema, ferrou. Só pra ser atual, é pandemia, é chuva de gafanhoto, aquecimento global, etc, etc, isso tudo é consequência de como tratamos o planeta. De como nos tratamos. Mas o planeta está reagindo, está se defendendo. Como ninguém percebeu isso ainda? Ah, deve ser fake news, né! Penso no meu filho e no mundo que ele vai viver, e fico triste. Vai no máximo sobreviver. Nem os privilegiados terão vez. Veja a covid-19 e tome como exemplo. Então amiga fútil, amigo play, desculpa, mas tá na hora de pensar um pouquinho. E agir. Se cada um fizer um pouquinho, já melhora. E um pouquinho pode virar um tantão, se estivermos alinhados com o propósito humano, de coexistir em harmonia, afinal, somos todos um. Bonito isso mas pena que geralmente é só da boca pra fora. Pesquisem sobre os países escandinavos que aproveitam seu lixo pra aquecer suas casas. Pesquisem sobre as tribos indígenas, africanas, e as novas ecovilas sustentáveis que se baseiam em sociedades tribais para aplicar esse velho conceito natural. Não somos superiores a ninguém. A nada. Enquanto houver soberba e ego, esquece. Quando conseguir tirar a venda dos olhos, chega aqui.
Aposto que você deve estar pensando: mas o que essa moça privilegiada tá falando?! Duvido que ela faça algo de fato pra mudar alguma coisa. Bom, de fato, o que faço pelo próximo não costumo explanar. Seria até bom pra incentivar pessoas (ao contrário da corrente corneteira que fala “ta ajudando só pra aparecer”…ok, até pode ser, mas alguém será ajudado, isso sim importa. E o corneteiro, será que faz algo?). Mas como formadora de opinião, pensei que poderia agir de uma forma mais contundente. Uma delas, expondo a minha opinião, tentando fazer meus próximos semelhantes privilegiados entenderem o que quero dizer. Não adianta viver numa bolha. Mais cedo ou mais tarde, a realidade bate na nossa cara. Então tenta acordar logo. Comecei a contestar esse lifestyle e valorização de um modo tão superficial e tão danoso ao mesmo tempo. Comecei a pesquisar estilos alternativos, mais sustentáveis, menos consumistas. E decidi fazer por etapas: estou saindo de um enorme casa cheia de móveis, pra um apartamento mobiliado de locação temporária desburocratizada. Não preciso ter tantos móveis. Não preciso de tantas roupas. Simplesmente não preciso. E a minha família concordou. Então, vamos vender e doar tudo que não precisamos, pra seguirmos mais leves e livres. Porque esse é o nosso propósito. Porque assim a gente gasta menos, consome menos, conhece melhor todas as formas colaborativas que existem nesse mundo e fica livre pra viver como a gente quiser, onde a gente quiser, ajudando e sendo ajudados nessa jornada coletiva que se chama vida. Convido vocês a acompanharem esse nosso processo de desapego, que é muito mais profundo do que as pejoradas expressões “cigano gourmet” ou “nômade digital”. Convido você a acompanhar a construção dos nossos dias de propósito.